Colaboração para a Folha de S.Paulo
Mais da metade dos idosos nos Estados Unidos toma cinco ou mais medicamentos diferentes ao mesmo tempo, aumentando o risco de interações medicamentosas potencialmente perigosas, de acordo com um estudo publicado em dezembro passado no "Jama" (jornal da associação médica americana).
Realizada pelos National Institutes of Health e pela Universidade de Chicago com 2.976 adultos com idades entre 57 e 85 anos, a pesquisa aponta que no mínimo 10% dessa população utiliza combinações de alto risco e que a maioria dos problemas ocorre com o uso concomitante de anticoagulantes vendidos sob prescrição com medicamentos de venda livre, como aspirina, suplementos, como gingko biloba, e remédios anti-inflamatórios.
Todas essas substâncias são bastante indicadas para problemas de saúde que são comuns ao envelhecimento, como os cardiovasculares e reumáticos.
Especialistas brasileiros dizem que o quadro pode ser aplicado para a situação no Brasil e que pesquisas menores ou localizadas apontam na mesma direção. Maurício Wajngarten, diretor da cardiogeriatria do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas de São Paulo, diz que "no banco de dados do setor de geriatria do InCor, verificamos que os pacientes tomam, em média, cinco a seis remédios diferentes".
Para ele, individualmente os medicamentos podem ser excelentes e indicados para cada doença, mas, quando combinados, possibilitam inúmeras interações. "Tratar tudo ao mesmo tempo é arriscado. É preciso que o médico, junto com o paciente, priorize os tratamentos e se mantenha informado sobre as possíveis interações do medicamento que vai receitar."
Risco hemorrágico
Um estudo feito em 2007 com 155 idosos internados no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, identificou uma média de quatro interações potencialmente arriscadas por paciente. O efeito mais observado das interações foi o aumento de risco de sangramento e hemorragia, em 36% dos casos. "Isso está relacionado com o uso de anticoagulantes", de acordo com Juliana Locatelli, farmacêutica clínica da unidade de geriatria do Albert Einstein, que realizou o estudo.
Outro trabalho feito em 2007, na Santa Casa de São Paulo, mostrou que 41% dos idosos tomam remédios inadequados ou em doses excessivas para a faixa etária. O responsável pelo estudo, Milton Gorzoni, coordenador da geriatria da Santa Casa, diz que, no Brasil, a população idosa toma entre três e cinco remédios diferentes ao mesmo tempo, em média. "Cada remédio que se acrescenta ao paciente aumenta em 10% a chance de interações indesejáveis. Isso significa que o idoso tem entre 30% e 50% mais riscos de problemas relacionados aos remédios."
Metabolização
O perigo também aumenta por características próprias do envelhecimento. "A metabolização das drogas é diferente no idoso. Geralmente, a eliminação das substâncias [dos medicamentos] é feita pelos rins, e o aumento da idade causa alterações na função renal", diz Climeu Almada, geriatra do hospital Albert Einstein e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O grupo de maior risco, de acordo com Almada, é o de pessoas com mais de 85 anos de idade, de baixo peso, com seis ou mais doenças, que tomam 12 ou mais doses diárias de remédios e que já sofreram algum efeito adverso de medicamento anteriormente.
Para Luiz Roberto Ramos, professor de medicina preventiva e diretor do Centro do Envelhecimento da Unifesp, "as doenças causadas pelo uso de múltiplos medicamentos por idosos é um dos grandes problemas da saúde pública".
Ramos lembra que, além das prescrições, a automedicação com remédios de venda livre e suplementos agrava o problema. É comum, segundo ele, o idoso ter de tomar um novo remédio para tratar efeitos causados por outro medicamentos, o que é chamado de iatrogenia --doença causada pelo tratamento.
"É muito mais frequente o especialista perguntar [ao idoso] "O que o senhor tem?", e não "O que está tomando?". Isso cria uma cascata medicamentosa, em que um remédio vai sendo acrescentado ao outro, aumentando a chance de complicações", diz.