Uma reflexão sobre a velhice

Para Mary Del Priore, 'Entramos na velhice em idades muito diferentes'

Mary Del Priore* - O Estado de S.Paulo

A velhice é um tema que provoca arrepios. Palavra carregada de inquietação e angústia, ela também representa uma realidade difícil de capturar. Quando é que se fica velho? Aos 60, 65 ou 70 anos? Nada mais flutuante do que os contornos da velhice, vista como um conjunto complexo fisiológico-psicológico e social. Temos a idade de nossas artérias, de nosso coração, de nosso comportamento? Ou bem, é no olhar dos outros que enxergamos nossa idade? Enfim, a única certeza é que desde que nascemos começamos a envelhecer. Mas o fazemos em velocidades diferentes. O modo de vida, o ambiente, a situação social aceleram ou retardam a evolução bio-psicológica e entramos na velhice em idades muito diferentes.


Digo tudo isso, pois o Brasil está envelhecendo. Uma boa razão para começarmos a nos aproximar do tema é a mudança de relação com nossos membros da Terceira Idade. Antes marginais, eles hoje são a espécie mais comum de cidadãos. O idoso e a idosa em boa forma, sábios e experientes, cada vez mais fazem parte da publicidade: oferecem máquinas de lavar, passeios turísticos, seguros de vida e outros produtos. A medicina se debruça sobre os problemas específicos dessa clientela, os economistas se inquietam frente ao aumento de aposentadorias e os demógrafos se desolam com uma pirâmide de idades invertida - mais velhos, menos jovens - que aponta, a médio prazo, para um Brasil cheio de rugas. O Estado também vai tomando consciência da amplitude da situação e, com a lentidão habitual, vai começando a pensar nela. E os historiadores também.

Um deles, George Minois, fez um estudo interessante sobre os idosos na sociedade inca, do Peru. Ele descobriu informações interessantes, que aqui reproduzo. O Estado inca, que funcionava como espécie de grande família do chefe inca, procurou atribuir um papel preciso aos idosos. Sociedade extremamente organizada, cada um tinha o seu papel, como as formigas num formigueiro. Antes do século 12, os indígenas matavam e comiam os velhos. Mas a partir da conquista do chefe Manco Capac, no século 12, uma nova organização foi estabelecida, oferecendo aos idosos toda a segurança. Recenseados a cada cinco anos, eles eram repartidos por idade: dos 50 aos 70, dos 70 aos 80 e mais, demonstrando que a longevidade era normal. Havia a classe dos que "andavam com facilidade", dos "desdentados" e dos que só queriam comer e dormir. Registros da igreja católica, em certos vilarejos, a partir de 1840, comprovam que existia uma forte proporção de centenários que fumavam, bebiam e tinham uma surpreendente atividade sexual.

Numa sociedade sem escrita, os idosos tinham o papel de arquivos vivos. Eram conselheiros de soberanos e cada tribo enviava ao chefe inca um conselho informal, a fim de guiá-lo nas suas decisões. As mulheres idosas tinham o papel de médicas, enfermeiras e parteiras. Eram também sacerdotisas no tempo do Sol, em Cuzco. Os idosos do povo eram cuidados pela comunidade. Os lavradores trabalhavam suas terras gratuitamente e lhes levavam alimentos. Recebiam também grãos dos armazéns do chefe inca. Um tributo especial, na forma de corveia - ou seja, de trabalho obrigatório -, consistia em fabricar roupas e sapatos para os idosos. Que estavam também livres de pagar impostos a partir dos 50 anos. Uma sociedade assim foi apresentada como utópica aos europeus, tendo um efeito importante na imaginação dos homens e mulheres entre os séculos 16 e 18. Nela, cada um tinha um papel que era exercido em benefício da comunidade. Não é a toa que os europeus acreditavam que a flor da juventude, aquela mesma que Deus teria plantado no paraíso terrestre, se esconderia nas montanhas andinas. Exatamente entre o Peru e o Equador.

*Mary Del Priore é historiadora