Seu Geraldo Barbosa trabalha com gosto, mas não esconde que o ofício também é feito por necessidade: o valor da aposentadoria é menor do que o antigo salário e não cobre todas as despesas.
Ela é o anjo da guarda no ambulatório médico do Sindicato dos Metalúrgicos em São Paulo. Ele, o olho clínico para beleza, na loja de tecidos da rua Augusta. Seu Geraldo Barbosa
e dona Dirce Aparecida Teixeira, com mais de 60 anos, são aposentados que seguem trabalhando com gosto, mas, também, por necessidade. “Só da aposentadoria minha e do meu marido, não daria para mim viver", explica a auxiliar de enfermagem dona Dirce Aparecida. "Nem morando lá no interior de Minas Gerais vai dar", diz o vendedor de tecidos Geraldo Barbosa.O que seu Geraldo diz não ser suficiente é a aposentadoria de R$ 1.650, bem menor do que o antigo salário de gerente de loja. É que a contribuição à Previdência sempre foi feita sobre o salário-base, e não sobre a renda integral. "Eu ganhava comissão daquilo que eu vendia. Meu salário variava de R$ 4 mil, de R$ 5 mil", explica o vendedor de tecidos.
Separado, deixou um apartamento com a ex-esposa e mora de aluguel. Ele está até pensando em se mudar para um lugar menor, para economizar. Por enquanto, se vira, ele mesmo, encarando o serviço doméstico e ainda não pensa em parar de trabalhar. “Até quando der, até agüentar, isso aí a gente não tem uma previsão, né? Quem gosta de trabalhar não pensa nisso. Meu ex-patrão, aquele que morreu, trabalhando aos 96 anos, no duro, adorava. Então, tem é que encarar mesmo e fazer por prazer", conta.
Pelo menos ele não tem medo de ficar sem trabalho. Aliás, acaba de trocar de emprego. Pela experiência e dedicação, ele é um profissional disputado. "É o jeito de ele tratar cada cliente, o jeito de mostrar o tecido, saber o que tem dentro da loja, de cativar cada cliente que entra, então, esse é o diferencial de um bom vendedor, isso ele tem", explica o dono da loja Pedro de Mello.
Seu Geraldo também acredita que roupa sob medida ainda tem futuro, mas e a dona Dirce? Que valor essa auxiliar de enfermagem tem no mercado de trabalho? Com a palavra, o chefe. "Eu não vejo o porquê de tirar uma pessoa que é extremamente competente, que gosta da profissão, que atende bem, que supre todas as necessidades do atendimento, por uma pessoa mais nova. Sim, experiência é muito importante nesse caso. Ela é idolatrada no ambulatório. Eu acho que o dia que eu tirar a Dirce daqui, eu vou arrumar uma briga com a maioria dos frequentadores aqui do ambulatório", declara o administrador do ambulatório Marcelo Valente.
Briga é a dela, para equilibrar o orçamento. São três horas de transporte público por dia, para ir e voltar do trabalho, no centro de São Paulo, onde cumpre uma jornada de mais oito horas. Tudo pra conseguir fechar as contas.
“Fecha, mas tem mês que falta, porque eu ainda pago prestação da casa própria. Medicamento também. sabe? Eu, inclusive, tomo muito medicamento. E quando eu não consigo pegar no posto, eu tenho que comprar", revela dona Dirce. Uma ironia, para quem cuida da saúde dos outros. Mas isso, para ela, é uma espécie de remédio. "Eu acho que se eu ficar em casa, eu vou ficar doente,porque,sei lá, você sai todo dia, é aquela vida corrida, mas é uma vida boa. Eu não me vejo em casa", explica.
Se hoje a aposentadoria não garante o conforto necessário, imagine lá na frente, com mais e mais idosos recebendo o benefício. “A Previdência tem que se preparar para esse número maior de pessoas recebendo aposentadorias e número menor de pessoas contribuindo. O Brasil vai ter que fazer reformas, mudanças, como outros países tiveram que fazer", relata o pesquisador do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, Marcelo Neri.
Ao mesmo tempo, cada um de nós pode tomar algumas medidas por conta própria. Para escrever uma história de vida longa e tranquila, até os últimos capítulos, três palavras importantes começam com a letra "p": poupança, planejamento e preparo, esta última tem a ver com a abertura de novos caminhos no mercado de trabalho. E é nisso que o administrador de empresas Osvaldo da Silva Netto, 64 anos, baseia sua esperança de futuro. Ele voltou para a sala de aula e faz um curso da moda: TI, Tecnologia da Informação. Logo ele, que conheceu os primeiros computadores.
"Eu peguei o cartão perfurado, era final da década de 60, o comecinho de 70, foi nessa época que eu entrei na área de microinformática", conta Osvaldo da Silva Netto. Seu Osvaldo se aposentou com um cargo alto, depois de 27 anos em uma grande empresa. Ele tentou outras atividades, foi acunpunturista, trabalhou com transportes, mas houve problemas. Neste momento, ele tem somente a aposentadoria de R$ 1.400, muito pouco para quem paga R$ 1.1050 de convênio médico.
A mulher também trabalha, mas os dois acabam precisando da ajuda dos filhos, quase sempre. "o que a gente faz perto do que ele fez para gente, não é nem ajuda, é só retribuir o que ele fez pra gente a vida inteira", diz a advogada Ana Paula Netto, uma das filhas de seu Osvaldo. "Não, não, não! Eu quero trabalhar, ganhar o meu próprio dinheiro, porque as despesas de casa a gente tem que cobrir elas. Eu não quero que meus filhos fiquem ajudando. Eu quero ser realmente independente. Eu quero eu resolver os nossos desafios aqui", diz seu Osvaldo.
“Eu ainda tenho três anos para trabalhar. Eu estou com 64 e vou até os 67”, conta a mulher de seu Osvaldo, a auxiliar de enfermagem Carmen Aparecida Netto. E que ninguém duvide: o emprego dela, num posto de saúde, foi obtido num concurso público, que ela resolveu prestar aos 50 anos, depois de criar os filhos. Ela passou em segundo lugar. "Modéstia à parte, ela trabalha muito bem”, declara o marido Osvaldo Netto.
Não faço modéstia aqui, mas eu acho que tudo o que interessa é a família unida, o amor e a vontade de aprender, que tem uma pessoa aqui puxando a gente, não é mesmo?”, fala dona Carmem Aparecida.
E para os filhos, mais jovens, o casal acaba sendo um exemplo. “Sim, é o exemplo de pessoa que não desiste, porque eu acho que, às vezes, na vida, você planeja e as coisas não saem bem como você quer, E eu acho que você nunca deve desistir. Isso a gente aprendeu muito com ele. E honestidade. Acho que ele é a pessoa mais honesta que eu conheço na vida, ele é muito honesto, é um grande exemplo", diz a administradora de empresas Tatiana Netto Balletta, outra filha do casal.