Espanhol que toca boleros, marchinhas e motiva uruguaios em quadra, faz amizade e sucesso com brasileiros que assistem às partidas de tênis
A primeira bola nem entrou em jogo. Na arquibancada lateral, um senhor ergue o trompete e toca uma canção. Rogério Dutra da Silva pega as bolinhas, e o torcedor do time da casa começa a gritar: "U-ru-guai, U-ru-guai, U-ru-guai", puxando os pouco mais de 500 compatriotas de Marcel Felder, que enfrentaria Rogerinho no primeiro jogo do confronto válido pela Copa Davis no Carrasco Lawn Tennis Club, em Montevidéu.
José Luís de la Mano, espanhol que adotou o uruguai como casa e anima a Davis (Marcelo Ruschel / Poa Press)
Não demorou muito para que o dono do trompete, um senhor de 75 anos chamado José Luís de la Mano, roubasse a cena. A cada ponto, ele gritava versos como "Felder, amigo, Uruguai está contigo", entoava uma canção com o trompete ou tirava da mochila um pandeiro e começava a tocá-lo. Aos poucos, fez amigos com os torcedores brasileiros, posou para fotos e ouviu pedidos de fãs que gritavam, de diferentes lugares da arena, nomes de canções.
O repertório não era o mais comum em uma arena. Em vez de canções animadas, De la Mano optava pelo que chama de "música melódica": boleros, antigas marchas e composições de Javier Solís - especialmente valsas e tangos. Ao ser indagado, diz que gosta também de música brasileira. Cantou versos de "Manhã de Carnaval", de Luiz Bonfá, e tocou, para festa dos fãs adversários, trechos de "Mamãe Eu Quero" e "Cachaça não é água".
De la Mano gosta de contar sua história e o faz com gosto, falando devagar. Explica que apoia o Uruguai na Davis há mais de 25 anos, mas, ao contrário do que indica sua empolgação ao dizer os nomes dos tenistas da casa, não nasceu na cidade uruguaia de Canelones, onde mora. Ele é espanhol, e o sorriso fácil de hoje não revela a infância difícil, provocada principalmente pela guerra civil de seu país, na década de 30.
- Não tenho família. Vi a guerra matar minha mãe, meus avós. Vi como uma avozinha minha morreu de fome, senhor. Morreu de fome. Isso é muito triste para uma criança. Quando mataram meu pai, eu tinha um ano e meio, não vi. Quando mataram minha mãe, faltava um mês para eu completar cinco anos. Nessa manhã, uma terça-feira, às 11h da manhã, mataram 36 pessoas com um bombardeio onde estávamos - revelou, sentado na arquibancada do estádio, antes da partida de duplas, neste sábado.
Luisito, como era conhecido, ficou órfão aos 5 anos, morando na rua. Passou um tempo roubando para comer e se alimentando de cascas de amendoim que os fregueses dos cafés jogavam no chão. Enfim, o jovem De la Mano conseguiu emprego num barco de pesca e, aos 13, entrou como voluntário para a Marinha de Guerra. Mais tarde, alistou-se na Marinha Mercante e viajou pelo mundo. Até que conheceu uma jovem uruguaia. Depois de várias voltas pelo mundo, tomou o país sul-americano como novo lar. E aquela jovem uruguaia ainda é sua companheira nos dias de hoje.
Aversão por Nadal e admiração por Djokovic
De la Mano se empolga ao falar de tênis. Diz que ainda joga em "nível bastante bom" e fala com carinho de Novak Djokovic, seu tenista preferido. "Você vai me dizer que afirmo isto agora porque ele é o primeiro do mundo, mas sempre fui muito apegado a Novak". O senhor espanhol também fala com orgulho de todos seus compatriotas. A não ser por um deles.
- Nadal é um homem um pouquinho... (mostra o nariz empinado)... entende? Isto quer dizer um homem prepotente. Ele teve êxito, tanto ele quanto o tio, mas falam com vocês, jornalistas, muito mal. Os outros espanhóis são doces, amáveis. Nadal tem que se colocar um pouco na terra. No céu, há apenas pássaros e mais nada. Não quero dizer que ele não conheça respeito nem educação. Só digo que os usa muito pouco - declara.