Categoria: Internet "De mim, a morte só levará seu momento"

Terceira idade Só porque completei 60 anos Tecnicamente supõe que eu vou morrer aos 90, pois até os 60 era a segunda idade. No meu caso, meu pai morreu lúcido com 102 e minha mãe está ótima aos 95. Mas isso não passa de praga genética. A verdade é que continuo com 25 anos.
Nem quero saber da cronologia. "Ah, mas você está mais perto da morte do que antes". Ora, você, que tem 16, hoje está mais perto da morte do que ontem. Qual a diferença E olha que não ando de motocicleta nem faço esportes, perigos para a saúde.


Decidi que a morte é um momento de nossa vida, e ela não roubará de mim nada além do que isso: seu momento. Enquanto isso só tenho uma idade: estou vivo!
Reconheço que falo de mim. E de quem mais falaria Gosto da micro-história, daquele que fala de si, e os outros pensam nisso, refletindo, aspirando. Meu segredo de continuar vivendo bem é ser um aprendiz do encantamento, um aprendiz do meu desejo, daquilo que me desperta, daquilo que me adormece.


Minha mãe diz que "velhice que dorme se aproxima da morte" (diz em francês, que é mais bonito). Mas adoro dormir, o seu chegar e o seu sair, e os sonhos, os sonhos deliciosos com meus filhos bebezões, quando eram tão encantadores.

Meu pedaço
Adoro a nostalgia, aquilo que nunca existiu, mas nos deixa tão maravilhados pela viagem da lembrança. Adoro meus projetos, meu kit-solidão, minhas leituras, meus filmes modernos e antigos, meu DVD enorme, a conversa com os poucos amigos que valem a pena, minha solteirice depois de dois casamentos, ser dono absoluto da minha casa, sem empregada no fim de semana, minha disponibilidade para os filhos, que gostam de chamego com o "velho" pai, e acham graça quando ele lhes canta músicas antigas que contam histórias ("Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela, cantando a Florisbela, oi, a Florisbela / Convidei-o a voltar pra casa em minha companhia / Exibiu-me um sorriso de ironia e desapareceu no turbilhão da galeria...").
E o que dizer das 30 e tantas novelas interativas a que assisto por semana, ao atender meus clientes A maravilha de se interessar por eles e seus enigmas, a delícia de acrescentar algo em suas vidas Aposentar-me disso?
Só morto.


FRANCISCO DAUDT DA VEIGA, 60, é psicanalista, colunista da Revista da Folha e autor de "O Aprendiz do Desejo" e "O Amor Companheiro: a Amizade Dentro e Fora do Casamento", entre outras publicações.