Uma dor aqui, outra ali, males crônicos, um pouco de dieta, alguma cirurgia -e a maioria se acha ótima
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Metade dos idosos entrevistados pelo Datafolha avalia sua saúde pessoal como ótima. Ótima, mas não perfeita: 57% dizem ter dor muscular, 56%, hipertensão, 29%, depressão, 28%, colesterol e por aí vai. Para coroar, 82% tomam remédio regularmente.
Pode parecer um paradoxo, mas não é. O que define a saúde não é a ausência de doenças mas a capacidade do indivíduo de desempenhar satisfatoriamente suas atividades diárias -o que os especialistas chamam de funcionalidade.
"Você pode ter diabetes, artrose e hipertensão e se achar saudável porque tem qualidade de vida. Outro tem só uma doença, mas que o imobiliza, este não sente que tem saúde", compara Delia Catullo Gold-farb, professora de psicogerontologia da PUC-SP.
Um recorte por gênero mostra outra aparente contradição: as mulheres reclamam mais da saúde, declaram sofrer um número maior de todos os males, fazem mais cirurgias e consultas médicas, tomam mais remédios. São mais doentes Não, se cuidam muito mais, confirmam os números da pesquisa.
"O homem costuma ser mais negligente, geralmente acha que estar acima do peso ou ter hipertensão, por exemplo, não é problema", afirma o geriatra Venceslau Coelho, do hospital Sírio-Libanês.
Para ambos, porém, a saúde é o valor maior, acima de família, estudo, religião e trabalho. A relevância dada ao tema reflete a busca por autonomia, cada vez mais valorizada. "Antes, a nossa saúde dependia da vontade de Deus. Depois, dos médicos; as pessoas entregavam o exame fechado para o doutor, era um saber exclusivo dele. Hoje, você é mais sujeito da própria saúde. A tecnologia populariza o acesso a informações, e a gente ganha um saber que aumenta nosso poder de decisão sobre a própria vida", diz Delia Goldfarb.
Efeito colateral: o mesmo processo também deu margem a uma cobrança social que estabelece expectativas altas demais sobre o que se considera envelhecimento saudável, afirma Wilson Jacob Filho, professor de medicina da USP, diretor do Serviço de Geriatra do Hospital das
Clínicas e colunista de Equilíbrio. É a mitificação do velho-jovem, de preferência, atleta.
A diferença entre a saúde necessária para ter autonomia no cotidiano e a do idoso que corre maratonas é uma fantasia, diz Jacob. "A saúde para o bem-estar é bem mais simples e fácil de ser obtida do que a imagem que se atribui ao envelhecimento saudável."