Categoria: Internet "Idosa idade"

Ontem, enquanto fotografava no centro de São Paulo, em pleno coração da capital paulista, vi duas senhoras de trajes alaranjados, grandes vassouras em punho, entrando num boteco para pedir água, no simples gesto de tomar um remédio. Duas senhoras de sorriso suave, olhares profundos. Fiquei me perguntando quando este Brasil de céus de anil dará condições mínimas para que as pessoas idosas possam viver com dignidade. Não estou dizendo que o trabalho de gari não seja, pelo contrário, é um trabalho importantíssimo numa mega metrópole. Mas convenhamos, é um trabalho pesado, que exige esforço físico, e tenho certeza que aquelas duas senhoras, detentoras da fantástica sabedoria empírica que só o tempo é capaz de proporcionar às pessoas, preferiam estar em suas casas, com suas famílias, realizando um trabalho mais tranqüilo.

A fotografia de pessoas sempre me atraiu. Principalmente a de “velhinhos”. Olhar para seus olhos, rugas e sorrisos e tentar captar quanta história, verdades e crenças têm latente naquelas fisionomias. E lembrei desta imagem; ´Seu´ Juca Chico, morador de São Roque de Minas, tinha 94 anos quando tirei esta foto. Aliás, devo usar o verbo presente, pois este senhor de sorriso vazio de dentes e cheio de alegria de viver, irradia felicidade todo domingo, no forró da cidade.
Prestes a completar 96 anos, caminha toda manhã, no raiar do dia, chapéu a postos, passo curto e firme, ladeira acima, ladeira abaixo, cumprimentando as pessoas, sentando na praça, sorrindo descaradamente, com orgulho da vida que tem, que leva, que teve.


Num certo dia, estávamos reunidos: um grupo de pesquisadores brasileiros, três americanos que não falavam nem “oi” em português, e ´Seu´ Juca Chico. Foi quando ele, com sua voz baixa e sotaque “mineirês” autêntico, tascou a falar com os “gringos”:- Ôceis precisa ver a lua daqui, que enormidade que é! É bunita, luminada, grande como ela só!


E fez a lua com as mãos, lua cheia, frondosa, enquanto os americanos apenas sorriam, sem nada entender. Ou talvez, tudo perceber. E seus olhos fundos fitaram entre os dedos. E pude ver no reflexo de seus olhos, o brilho daquela lua de memória. Da memória de Seu Juca. E agora, da memória de todos nós.

Adriano Gambarini - 02/2009
Adriano Gambarini é fotógrafo e escritor há 15 anos. Seu arquivo tem 50 mil imagens do Brasil e do mundo, com ênfase à biodiversidade, ecossistemas, vida selvagem, cavernas, cultura e arquitetura. Colunista da agência ambiental OECO, é autor de 7 livros de fotografia.