Viúva de 71 anos supera câncer de mama em universidade 'sênior'


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Alice do Carmo, 71 anos, estuda na universidade 'sênior' há cerca de 14 anos (Foto: Nathália Duarte/G1)

A passos lentos, Dona Alice se aproxima da sala de aula em que vai aprender sobre o funcionamento das bússolas e para que serve um GPS. Aos 71 anos, a simpática e disposta Alice do Carmo conta, com um sorriso no rosto, uma história emocionante. Ela frequenta aulas em uma universidade sênior, voltada aos idosos, ou “juventude acumulada”, como prefere chamar, há mais de 14 anos. Nesse tempo, começou a participar também de grupos de música e até arranjou um namorado muitos anos mais novo, mas nem sempre foi assim.

No clima da atual novela das oito, "Viver a Vida", a Rede Globo está promovendo uma campanha para lembrar que a vida vale a pena ser vivida, apesar das dificuldades e dos obstáculos cotidianos. Venha Viver a Vida dá nome a uma série de reportagens que mostram histórias de superação, em que momentos de tristeza dão lugar à esperança. Venha Viver a Vida reúne casos exemplares, vividos por gente famosa e por anônimos. Essas reportagens são publicadas no G1 , nos sites EGO , GloboEsporte.com , Vídeo Show e na página oficial da novela Viver a Vida .

Filha de pais muito pobres e com muitos irmãos, aos 2 anos Dona Alice foi entregue para adoção à revelia da mãe, por vontade do pai, que queria para a filha um futuro melhor. "As pessoas estranham quando eu digo que não gosto de peixe porque sou caiçara, mas não gosto do cheiro de peixe. Meu pai era pescador e como eu não tinha brinquedos, ele sempre vinha com seus peixes e me dava um. Para mim esse peixe era uma boneca. No dia que uma família foi me buscar em casa, meu pai disse que ia pescar porque não quis ver minha saída. Eu fiquei esperando aquele peixe, mas ele não veio. Eu me emociono quando toco no assunto", diz.

Com os olhos cheios de lágrimas, hoje Dona Alice conta que a dor do abandono a fez entender muitas coisas. “Eu tive bons pais em minha nova família. E o outro pai acertou na decisão. Se não fosse sua insistência, eu não sei se hoje teria a chance de estar em uma faculdade sênior, de ter os amigos que tenho, ter casado com uma pessoas boa. Isso mudou a minha vida com certeza."

Anos mais tarde, já casada com o homem com quem passou quase 50 anos, com três filhos, e depois de enfrentar muito preconceito por ser filha adotiva, Dona Alice decidiu se matricular na faculdade para “fugir” do cargo de avó em tempo integral. “Eu fui quase convocada a cuidar dos meus netos, e não concordei. Então eu vi na televisão o projeto de um professor, que coordena o curso em que estou até hoje, e me matriculei. Comecei a frequentar as aulas e foi muito bom. Hoje tenho uma relação ótima com meus netos, somos próximos, mas eu não queria essa rotina para mim, então decidi me mexer.”

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'Foi na faculdade que eu comecei a superar minha doença', diz Dona Alice (Foto: Nathália Duarte/G1)

Vida nova

O ingresso na universidade trouxe novidades, “sem nenhuma aula repetida até hoje”, e mais coisas boas do que esperava Dona Alice. Foi da sala de aula que ela tirou forças para superar a descoberta e o tratamento de um câncer de mama que teve há cerca de cinco anos. Ela e o marido ficaram doentes na mesma época, chegaram a ficar internados juntos no mesmo hospital. Ela teve que tirar uma mama e ele faleceu.

“Quando a bomba sobre a minha saúde caiu, o primeiro lugar para onde corri foi a faculdade. Foi aqui que recebi o maior apoio das colegas, dos professores, e foi nesse momento que comecei a superar o problema. A minha força veio daqui. Família sim, amigos também, mas a força maior veio da faculdade."

Para Alice, assim como a presença próxima dos colegas da faculdade, o processo de reciclagem proposto pelas aulas foi fundamental. "A gente tem que ter um objetivo, e o meu objetivo é ser feliz. Aqui na faculdade a gente aprende coisas que não aprenderia em casa, e isso traz motivação. Eu andava de bengala, não tinha o viço e o vigor que tenho hoje de brincar, de rir. Isso tudo foi acontecendo aqui dentro da faculdade. Toda essa alegria eu devo ao professor, à faculdade, e às amigas que sempre me apoiaram e estiveram do meu lado em todos os momentos."

Emocionada, ela expressa a saudade do "eterno amor" com outra de suas paixões: a poesia. "Eu faço versos. Quer ouvir?", e recita "Xícara de café", que escreveu em homenagem ao marido, e "Mãos de mães", sobre as duas mães que teve. "Sempre adorei escrever, e foi uma forma de colocar meus sentimentos para fora, sem viver chorando", afirma.

Hoje realizada, feliz e com mais força física, Dona Alice recomenda a universidade sênior. "Aqui a gente se abre para a vida. Eu sinceramente tenho muita pena das senhoras da minha idade que ficam em casa, no sofá, assistindo à TV. Eu acho que a reciclagem é muito boa. A vida ganhou outro sentido na faculdade."