Mais da metade das mulheres acima de 60 anos que não fazem mamografia consideram o exame desnecessário. Essa é a conclusão de um estudo inédito da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
O artigo é parte de uma pesquisa que avaliou as características relacionadas à adesão ao rastreamento do câncer entre as idosas. "O perfil das mulheres que não fazem mamografia, bem como as razões disso, é pouco explorado", justifica a psicóloga Cristiane de Oliveira Novaes, uma das autoras.
O câncer de mama é o tumor que mais mata mulheres nessa faixa etária. Um estudo recente mostra que a mortalidade cresceu 40% acima dos 60 anos entre 1980 e 2005. Pesquisas indicam que o rastreamento acima dos 50 anos pode reduzir a mortalidade em até 45%.
O estudo da Fiocruz, chamado Envelhecimento Populacional e Câncer, ouviu 4.621 mulheres entre 60 e 106 anos, em Juiz de Fora (MG). "O que nos intrigava era: se há recomendação de examinar essas mulheres, por que o câncer de mama ainda mata tanto?", diz Novaes.
Das entrevistadas, 1.287 nunca tinham feito uma mamografia. Mais da metade (53,9%) delas simplesmente não consideravam o exame necessário.
Elas usam como justificativa razões como "nessa idade não é preciso", "não tenho marido", "já passei pela menopausa", "não sinto nada".
A falta de orientação médica veio em segundo lugar. Na faixa dos 60 aos 69 anos, 39,4% não tinham feito o exame porque o médico não solicitou, embora, segundo as recomendações do Inca (Instituto Nacional de Câncer), a mamografia deva ser indicada a cada dois anos para as mulheres entre 50 e 69. Entre as mulheres com mais de 70, 37,8% disseram não fazer o exame porque o médico não pediu. A reclamação da falta de acesso ao exame foi mínima.
Nível socioeconômico
O estudo revelou ainda que as mulheres de menor escolaridade, nível socioeconômico mais baixo e idade mais avançada fazem menos exames.
"É uma questão educacional tanto de médicos como de pacientes. As mulheres não conhecem o exame, não sabem que precisam dele, e os médicos não costumam indicá-lo às mais velhas, já que a recomendação é para a faixa dos 50 aos 69 anos. Acaba ficando a critério de cada um", diz Novaes.
"Não deveria haver limite de idade para a recomendação", diz a mastologista Maira Caleffi, presidente da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama).
"O dado pode orientar estratégias de conscientização para fazer, pelo menos, o rastreamento oportunista", diz ela, referindo-se à necessidade de indicar a mamografia quando uma mulher no grupo de risco procura o médico por conta própria.
"O médico deveria, no exame clínico, fazer a caracterização do risco, levando em conta fatores como exposição hormonal e outras doenças da mama", diz o mastologista Carlos Frederico de Freitas Lima, do Inca. "O acesso à mamografia não deveria ser uma dificuldade."
Porém, sabe-se que é feita uma maior quantidade de mamografias nas regiões Sul e Sudeste do que no resto do país. "Além disso, a fila de espera no SUS é enorme. Um estudo feito em São Paulo mostra que o tempo médio entre a descoberta do nódulo e o tratamento é de 188 dias, incluindo a fila para a mamografia", diz Caleffi.
Para Novaes, o problema é que ainda não há um consenso internacional com critérios claros para as mulheres mais velhas. Até o final da década de 1990, alguns grupos sugeriam que o rastreamento deveria ser feito somente até os 70 anos. Só a partir de 2003 a American Cancer Society reforçou que a idade não deve ser levada em conta isoladamente. Segundo Novaes, deve-se considerar também a expectativa de vida, a presença de comorbidades e a capacidade funcional.
"As mais velhas não são contempladas como deveriam. As campanhas não atingem esse público e essas mulheres não se consideram grupo de risco. Por isso não acham o exame necessário", afirma Novaes.