Sono pode ser ferramenta natural de gerenciamento do tempo

Se existe uma sociedade de dorminhocos profissionais em algum lugar, um culto de pessoas orgulhosas por obter o número correto de horas de sono por noite, deve ser uma bastante secreta.

A maioria das pessoas parece se sentir insegura a respeito de seu sono, e gostariam de dormir um pouco mais. Elas estão certas de que ficar acordado até as duas da madrugada não pode ser bom. Ou pode?

Na verdade, ninguém sabe ao certo. Os cientistas não têm certeza sobre por que o sono existe, o que tornou difícil explicar a diversidade de hábitos de sono em pássaros, peixes e mamíferos, incluindo humanos.

Por que os leões dormem durante 15 horas por noite e as girafas apenas cinco – quando são elas que terão de correr por suas vidas quando chegar o momento da caça? Como dormem os pássaros migratórios, que voam por dias a fio? Por que algumas pessoas são madrugadoras quando jovens, e se tornam corujas quando mais velhas?

A resposta pode resumir-se no gerenciamento do tempo, segundo um novo artigo na edição de agosto do jornal "Nature Reviews Neuroscience". No artigo, Jerome Siegel, professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, argumenta que o sono evoluiu para que os animais otimizassem o uso do tempo, mantendo-os seguros quando as caças estivessem escassas – ou talvez perigosas.

Adaptação

Por essa visão, as diferenças na qualidade de sono, incluindo até mesmo períodos de insônia, não devem ser vistas como problemas – mas como adaptações às demandas do ambiente.

“Nós passamos um terço de nossas vidas dormindo, e isso parece tão mal adaptado – ‘o maior erro cometido pela natureza’ é o nome frequentemente usado pelos cientistas”, disse Siegel. “Porém, outra forma de olhar para isso é a seguinte: a falta de sono desnecessária seria um erro ainda maior”.

As pesquisas do sono não são unanimidades – peritos discordam fortemente em quase toda teoria oferecida, e esta não é uma exceção.

Entre outras objeções, os críticos apontam que animais dormindo são menos alertas a predadores do que se estivessem acordados, e que o sono parece servir a outras funções essenciais. Alguns estudos sugerem que o cérebro consolida as memórias do dia durante o repouso; outros dizem que ele precisa do sono para reparar danos neurológicos.

Falta de sono desnecessária seria um erro ainda maior"
“Minha própria teoria, que é mais consistente com o convencional, é que os neurônios exigem o sono como parte do processo em longo prazo” da modificação para auxiliar o aprendizado, escreveu por e-mail o Dr. Clifford Saper, um neurocientista de Harvard.

Porém, conforme ele acrescenta, sua teoria e a de Siegel podem não ser mutuamente excludentes. O sono não é, nem de longe, um estado tão vulnerável quanto parece.

Pessoas dormindo são altamente sensíveis a alguns ruídos, como o choro de um bebê ou uma pancada ou vozes incomuns.

Vigília

Segundo Siegel, quem dorme está menos vulnerável a se machucar do que se estivesse nas ruas tarde da noite.

O artigo argumenta que evidências de outros animais sugerem seriamente que a necessidade por sono decresce agudamente durante as horas mais importantes de despertar. Baleias assassinas em migração ficam alertas enquanto nadam por semanas a fio, e aparentemente tão alertas quanto nos momentos de descanso, descobriram os estudos.

Pesquisas recentes sugerem que o mesmo vale para os pardais de coroa branca: eles dormem muito menos do que o normal quando estão migrando.

Considere o grande morcego marrom. Ele dorme 20 horas por dia, e passa as outras quatro caçando mosquitos e mariposas no anoitecer e no início da noite. “Um tempo de despertar aumentado pareceria ser uma má adaptação para esse animal, já que ele gastaria energia e seria exposto a pássaros predatórios com melhor visão e melhores habilidades de voo”, escreve Siegel.

Em humanos, é notório que a qualidade de sono muda com a idade, dos profundos mergulhos no começo da infância, às cinco ou seis horas de sono leve e irregular que muitos idosos chamam de uma noite dormida.

Os médicos há tempos discutem se os idosos são privados de sono como um resultado, ou simplesmente precisam de menos tempo de repouso.

Na visão de Siegel, é uma questão de trocas: pessoas mais velhas não possuem mais a necessidade de crescer dos jovens, que exige sono profundo e longo, e podem ter mais necessidades e habilidades para fazer coisas para eles mesmos, no lugar disso.

Resumindo, quando é preciso obter alimento, os animais simplesmente vão, esteja o sol brilhando ou não. Dependendo do animal, um longo período acordado pode, ou não, ser seguido por um longo sono de recuperação.

A teoria também sustenta o que as pessoas já suspeitam a respeito de pássaros madrugadores e corujas noturnas: eles ficam mais alertas quando são naturalmente mais produtivos. E podem se sentir exaustos, caso sua agenda de trabalho não seja compatível.

Nada disso significa dizer que um bom sono seja desnecessário, ou que problemas sérios de sono não existem. O sono é necessário, e os problemas existem.


Mas a teoria sugere, realmente, que um intervalo de insônia pode não ser prova de uma doença. Se o sono evoluiu para ser o gerenciador de tempo definitivo, então estar acordado às duas da manhã pode significar que há trabalho importante a ser feito. Hora de desligar as reprises de filmes antigos e começar a fazê-lo.