Categoria: Internet "O estranho caso de Benjamin Button"




Caminhar contra o destino esperado. Ou num destino contrário. Ser um estranho caso, curiosamente observado e, pouco a pouco, esquecido. Benjamin, no filme, recebe afagos e mimos. Seu fazer-se diferente é lembrado a cada transformação, compreendido 


r quem lhe devota amor, celebrado, compartilhado, chorado e vivido. Eu chorei e vivi. Senti a melodia triste que embalava a tristeza do filme, e as palavras gentis que inventaram poesia num destino contrário ao tempo. F. Scott Fitzgerald, autor do conto que inspirou o filme, é bem menos benevolente. Benjamin não recebe afagos: é inteiramente entregue ao seu caminho torto, obrigado a assumir erro – ou acerto - de tornar-se o que não deveria ser. E persiste em tornar-se. Jovem a cada dia. Diferente e único. Mostrando-se um recém-nascido pleno de sabedoria. Um idoso de contornos delicados, suavemente amando coisinhas pequeninas e desfrutando de um esquecimento sem ressentimentos ou perdas. E sozinho nisso tudo. Também os outros dele se esquecem. Do velho sábio que já foi. Do pai amigo que se tornou. Do amante, do marido, do namorado, do homem. Sua diferença é notada apenas quando escandaliza. Quando assusta. Depois passa. Tudo passa. Mulher, amada, filho, pai, avô, universidade, e mesmo a última pessoa amada – uma babá.

Eu poderia dizer que se trata de uma história sobre solidão. Ou que se trata de um conto sobre a diferença. Sobre o desvanecer da vida no tempo. Sobre o erro do tempo. Mas penso-o como algo bem mais simples: O Estranho Caso é o caso de um caminho pleno de movimentos e transformações. E esquecimentos. Benjamin mostra que fazer-se é sempre diferenciar-se. Sempre um ato singular e incompreensível. Que se faz intenso no momento do possível. Não é um caso curioso. É o meu caso. O seu caso. O caso de ser sempre diferente entre os iguais. Uma criança outra entre as crianças. Um velho errado entre os velhos. Um marido aflito diante da eternidade de um casamento no qual o amor já não é o mesmo. Um pai que não é o pai que deveria ser, e que se faz a criança que o filho não gostaria de ver. Um filho que sabe mais do que os pais supõem. Um homem que é sempre mais e menos do que a vida exige. Benjamin é além-vida – de para além da vida ele se inventa, corajosamente apostando em seus erros e acertos. E Fitzgerald não se compadece dele. A vida, afinal, não se compadece nem afaga. Mas traz a intensidade possível para que nos diferenciemos.

Recomendo o filme pela sensibilidade clara e incontestável. Recomendo o conto pela linguagem misteriosamente familiar que usa para tratar do que é estranho.