Bob Dylan viaja ao passado em seu 33º álbum
Com um título para lá de romântico --"Together through Life" (juntos pela vida)-- combinado com uma foto de dois jovens se agarrando no banco de um carro, Bob Dylan prepara o ouvinte para seu 33º álbum de estúdio.
A preparação é para a viagem que começa hoje --quando sai o CD nos Estados Unidos-- e vai terminar justamente naquele banco traseiro, no verão de 1959, quando as coisas pareciam mais simples (mas não eram) e as músicas soavam diferente (e realmente soavam, dada a tecnologia da época e das atuais possibilidades de pós-produção).
Jeff Zelevansky/AP |
Cantor Bob Dylan lança o 33º álbum de sua carreira, "Together Through Life" |
"Os velhos discos da Chess Records, da Sun Records", suspira o velho Dylan, 67, em recente entrevista para o seu site (www.bobdylan.com). "É meu tipo favorito de som. Gosto do clima, da intensidade. É bem claro, há força e suspense. É gravado ao vivo. O som tipo crava na sua cabeça como uma dor de dente."
São discos que estão na gênese do rock. Da Chess vieram gravações essencialmente de negros, como Howlin' Wolf, John Lee Hooker, Buddy Guy, Bo Diddley e o grande Chuck Berry, entre muitos outros.
Da Sun, baseada em Memphis, entraram para a história discos dos brancos Johnny Cash, Roy Orbinson, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e, principalmente, Elvis Presley.
É nesse universo que se insere o Dylan 2009. Imagens de uma gangue nova-iorquina feitas em 1959 pelo fotógrafo Bruce Davidson compõem o aspecto visual da nova obra (leia mais no texto ao lado).
"Together through Life" tem dez músicas, assim como o sucesso "Modern Times" (tempos modernos) --que foi primeiro lugar entre os mais vendidos dos EUA em 2006. Mas é menor, com músicas entre três e cinco minutos, em vez de canções entre seis e oito minutos.
O disco também é menos sofisticado que seu antecessor, que tinha baladas delicadas ao piano. Na busca pelo som dos anos 50, Dylan optou pelas guitarras em primeiro plano. Há muitos solos distorcidos, como os dos velhos mestres. E uma sanfona costura tudo, trazendo um clima de beira de estrada.
Divulgação |
Capa do álbum "Together Through Life", do cantor e compositor Bob Dylan |
Dylan conta que não planejou o álbum. Foi convidado, pelo diretor francês Olivier Dahan, para escrever uma música para seu próximo filme, "My Own Love Song". Dylan fez "Life Is Hard", mas as canções não pararam de vir. Quanto aos temas, "essas canções têm uma linha mais romântica", conta.
"Together through Life" abre com a sensacional "Beyond Here Lies Nothin'", em que a sanfona e a guitarra duelam para aparecer. A guitarra lembra a de Keith Richards no Rolling Stones pré-psicodélico, entre 1964 e 1966, quando o inglês imitava justamente... as gravações da Chess Records.
"Life Is Hard", a segunda, mostra que a voz de Dylan está pior do que nunca. Suas cordas vocais estão tão deterioradas que lembram as de Tom Waits, que se notabilizou por fazer do canto rouco uma marca. E isso só torna a canção mais forte.
"My Wife's Home Town" é tão parecida com "I Just Wanna Make Love to You" que Dylan perderia um processo. "I Just Wanna..." é um hit da Chess, de 1954, escrito por Willie Dixon e gravado originalmente por Muddy Waters (e coverizado pelos Stones em seu álbum de estreia, de 1964).
E a volta ao passado segue com rocks básicos ("Jolene"), canções de sanfona ("If You Ever Go to Houston") e lamentos tristes ("This Dream of You"). Culminando com a belíssima "I Feel a Change Comin' on", balada sofisticada que, essa sim, poderia estar em "Modern Times". Mas os tempos de Dylan agora são outros.